Marobo
Hoje, sábado, levantámo-nos cedo. Como já há uns dias que
não chove ( nota-se que a estação das chuvas está no fim: ar menos húmido, um
pouco menos de calor ao amanhecer e ao entardecer), estava na hora de sair de
Maliana e nos aventurarmos até Marobo que fica um pouco mais acima na montanha
a cerca de 1h e 30m por caminhos de tal forma maus que qualquer centena de metros
sem buracos, é baptizada de auto-estrada.
Cerca das 7 da manhã, levantamo-nos, tomámos o
pequeno-almoço e esperámos o motorista que nos iria levar até às termas de
Marobo.
Ficou decidido que o transporte seria feito na pic-up. Como
só cabem 4 pessoas mais o condutor na cabina, os restantes (6) têm de ir na parte
de trás.
Antes de subirmos à montanha, ainda foi necessário passar pelo
centro da cidade, vulgo, mercado onde fomos alvo da risota dos timorense devido
ao facto de irmos numa carrinha de caixa aberta equipados com máquinas
fotográficas, chapéu de sol e de chuva para o sol e ainda um colchão e
almofadas que roubámos à cama a fim de amortecer os inúmeros solavancos
originados pelos buracos e, principalmente, “crateras” que prevíamos encontrar.
Pelo caminho, encontramos homens e mulheres de mota ou a pé
que num contínuo vaivém se deslocam de e para a cidade a fim de se abastecerem
de bens alimentares enquanto as crianças e jovens com as suas fardas se dirigem
às respectivas escolas para mais um dia de aulas (nas escolas timorenses a
carga horária é distribuída pelos 6 dias da semana mas é inferior à das escolas
de referência que é igual às de Portugal. Como nessas escolas há um elevado
número de alunos inscritos, ao longo do dia são feitos turnos para que todos
tenham acesso à escolaridade que é obrigatória- as turmas podem ter 30, 40 e
até 60 alunos). Todos ou quase todos nos saúdam dizendo adeus e o já habitual e
“sonoro” Bom diááá... Devem pensar que estes “malai” estrangeiros, são malucos.
E talvez sejamos mesmo tendo em conta o sinuoso percurso que nos espera.
A meio do percurso, breve paragem para desentorpecer as
pernas, beber água e ir a uma das muitas casas de banho existentes atrás de um
arbusto qualquer e longe dos olhares dos outros. De novo, em cima do colchão e
preparados para a pior parte: uma pequena ponte feita de postes de
electricidade sobrantes, pedaços de estrada que perderam completamente o
alcatrão e ainda algumas com imensa
pedra solta e uma inclinação que sem dúvida deveria ter cerca de 45 graus. Como
eu ia atrás e precisamente de costas nem sempre me apercebi do que a estrada
mostrava. Como o sol começava a apertar, as cigarras agitadas faziam um coro
quase ensurdecedor à nossa passagem. Uma delas foi recolhida, acarinhada e
fotografada pelos colegas que se encontravam à frente.
A paisagem, digna de qualquer postal ilustrado, é composta
por montes, vales, ravinas excelentes para alpinismo, frondosas árvores,
algumas a lembrar África mas outras a lembrar países mais frios, linda e
enormes “estrelas de Natal” como nunca vira, inhame, mandioca, palmeiras,
coqueiros, alguns pouquíssimos pés de café, muitas papaieiras e alguns campos
de arroz. Foi neste momento que pensei no meu amigo Louro, presidente da SETA
que, sem dúvida, daria um óptimo contributo para a identificação da fauna e da
flora aqui existente e explicar os fenómenos geológicos de Timor. Sem a sua
presença, restou-me apreciar a paisagem e tirar algumas fotos. E que paisagem! Ora parecia estarmos nos Alpes
devido à altitude, ora parecia estarmos no Gerês português.
Regressando ao caminho, a certa altura foi necessário fazer o resto do percurso a pé. O cheiro já
fazia prever que estávamos perto das termas. São ainda visíveis os restos do
que outrora foram casas que albergavam quem queria tratar das maleitas da pele,
já que estas águas são sulfurosas. Depois de transpor uma pequeníssima ponte de
1,50m e um tronco de árvore que ali deve
estar à espera de apodrecer, eis que surge à nossa frente, a nascente de águas
quentes (não sei qual a temperatura mas, seguramente, superior a 40 graus pois
quase escaldava a pele) com pequenas cascatas
e uma piscina convidativa a uns banhos. Ao lado, um pequeno riacho onde
corre água quente de um lado e água à temperatura ambiente do outro.
Toda esta riqueza abandonada e que poderia ser explorada e utilizada
por quem necessitasse! Ouvi dizer que há um projecto para a sua reabilitação
mas antes há que melhorar as vias de acesso que as chuvadas fortes destroem
sistematicamente.
Banhos de cascata, mergulhos na piscina e para cuidar da
pele, um bando de lama. Não estamos sós. Um grupo de timorenses juntou-se-nos
e, como sempre, pedem para tirar fotos.
Umas sandes, água e
fruta para matar a fome e regressámos porque o calorcomeçava a apertar.
Na subida íngreme e cheia de pedras que facilmente deslizam,
a perícia do motorista é essencial. Sem ela, teríamos de subir a pé debaixo de
um calor tórrido que nem os chapéus conseguem proteger. Nesta altura, já não
tinha o meu chapéu de chuva. Alguém o “roubou” da carrinha enquanto estávamos
nas termas. Enfim…
A meio do percurso, é necessário passar a “portagem” ( pau
colocado de um lado ao outro do caminho, vigiado por 2 crianças e que impede
que as vacas desçam até lá abaixo).
Parámos na aldeia para ver e comprar os “tais” tradicionais
de Marobo que são uns tecidos feitos artesanalmente num tear ainda mais
artesanal e que servem para usar como saia mas também, caso sejam maiores, para
colocar na cama substituindo as colchas. Eram essencialmente feitos de fio
preto com alguns fios brancos ou com tons rosa. Não comprei porque não apreciei
mas também por serem muito caros, variando entre os 50 e os 100 dólares cada.
Pelo caminho, crianças e jovens em tal quantidade que faz
inveja a qualquer cidade portuguesa. Em cada alpendre é possível encontrar 5, 6
crianças pequenas.
A arquitectura das habitações é semelhante a Maliana: casas
feitas de madeira (usam a parte central das folhas da palmeira para fazer as
paredes) ou de zinco com telhados de colmo ou também de zinco. Aqui e acolá
nota-se algum cuidado na construção das habitações pois são feitas de tijolos e
rebocadas ou não de cimento e ainda algumas pintadas com cores bastante
garridas. Só ainda vi uma casa com chaminé pois, normalmente, as cozinhas são
feitas em anexos à habitação principal.
Chegados a casa, apetece apenas refrescar com um banho, e
qualquer coisa fresca e uma soneca. Não há muito tempo. Há um aniversário logo
à noite e é preciso preparar os “petiscos”.
Mas valeu a pena!