sábado, 12 de outubro de 2013


 

 Última crónica 

Está a chegar ao fim a minha permanência em território de Timor-Leste. Tratou-se essencialmente de uma experiência profissional.
Valeu a pena conhecer outro país com características tão diferentes do nosso. Há coisas boas e coisas más como em todo o lado.
Valeu a pena conhecer outros profissionais deste sector.
Valeu a pena arranjar novos amigos.
Valeu a pena partilhar conhecimentos, trocar impressões.
Valeu a pena conhecer as minhas crianças que ainda estão tão longe dos vícios do mundo ocidental mas também das coisas boas que ele nos proporciona.
Valeu a pena conhecer o seu sorriso doce e a alegria dos seus rostos.
Valeu a pena conhecer o respeito que tanto alunos como população em geral têm pelo professor.
Valeu a pena ter vindo.
Vale sempre a pena. A vida é feita disto: de dádiva, de partilha, de sonhos, de desilusões.

 Da minha parte, este blog será encerrado hoje.
Ele serviu para partilhar informações e formas de sentir.

Não tenho jeito para escrever. Fiz o melhor que pude. Espero que tenha sido útil também.

Até sempre

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Penúltimo texto


Penúltimo texto

O dia do fim da minha permanência em Timor está a chegar.

O que leva as pessoas a vir para um país tão longínquo?

Na minha perspectiva, serão várias razões:

Uma nova experiência profissional

Enriquecimento do currículo

Adquirir tempo de serviço

Partilhar experiências

Ganhar mais dinheiro

Afastar-se dos problemas

Resolver os problemas

Poder viajar

Fugir ao quotidiano

Fugir do frio

Ajudar os outros

 

A população de Maliana é muito simpática, dócil  e aceita muito bem a presença de professores portugueses porque sabem que estão aqui para os ajudarem.

Contudo, há muitas carências. Não é fácil viver em Timor, principalmente longe da capital e do centro das decisões. Sente-se falta de muita coisa: conforto, alimentos a que estamos habituados, liberdade de movimentos, saneamento, etc.

Apesar de todos os problemas que afetam o nosso país, são horas de regressar. As saudades são muitas.

 

Portugal é lindo.

 

 

 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As bodas de prata do D. Norberto do Amaral


As bodas de prata do D. Norberto do Amaral






O bispo da diocese D. Norberto do Amaral, comemorou as suas bodas de prata no passado dia 18 de Setembro de 2013.

Trata-se de uma personalidade muito respeitada em todo o país e aquele acontecimento serviu de pretexto para que a cidade de Maliana se preparasse para os festejos. Uns dias antes, já era possível ver a azáfama da população preocupada em enfeitar as duas ruas principais e ainda a que liga à sede episcopal e à sua residência, quase ao lado do “nosso modesto condomínio fechado”. De uma forma muito simples, a população cortou pedaços dos troncos das bananeiras e com folhas de palmeira e flores de buganvílias fizeram pequenos enfeites que colocaram ao longo das ruas. Entretanto, o recinto das comemorações, situado no local da futura catedral do Sagrado Coração de Jesus de Maliana ia sendo arranjado.

Na terça feira de tarde, vi pela primeira vez em Maliana um engarrafamento  de biskotas e angunas carregadas de pessoas das localidades do distrito que se dirigiam para as escolas timorenses onde iriam pernoitar.

Entre os muitos convidados também estivemos nós, professores portugueses.

Na quarta feira de manhã, ao aproximarmo-nos do recinto das festas, o trânsito aumentava tendo assistido ao 2º engarrafamento da história da minha presença em Timor.

Aos poucos, a população ia-se distribuindo pelos toldos colocados para protecção do sol tórrido de um dia que se adivinhava muito quente. Pessoas simples com o seu traje domingueiro, pessoas vestidas com roupas tradicionais, representantes  das autoridades nacionais,  do governo e da igreja. Crianças, velhos, todos queriam assistir a mais uma missa presidida pelo Sr. Bispo.

As belíssimas vozes de um coro de estudantes acompanharam a cerimónia do princípio ao fim apenas interrompida pelos discursos da praxe, de algumas danças tradicionais e do lançamento de balões.

No fim,  houve almoço ao qual não assisti devido ao cansaço de mais de 3 horas de cerimónias e do imenso calor. Ficam as imagens de um dia cheio de vida em Maliana.


PS. Parece que no dia seguinte havia pessoas doentes por causa da comida. Muito calor!

segunda-feira, 9 de setembro de 2013


 
O funeral

A morte de qualquer pessoa acarreta muitas despesas uma vez que é necessário alimentar todas as pessoas que assistem ao velório, ao funeral e a todas as cerimónias que se seguirão. Para isso, precisam de matar búfalos, vacas ou porcos. Caso não haja muitas possibilidades, a família e os “convidados” colaboram também.

Em Maliana, um velório pode demorar dois a três dias. Entretanto, entregam-se os agradecimentos às pessoas presentes e convidam-nas para assistirem às cerimónias do 7º dia em que vão ao cemitério depositar flores.

Ao 40º dia, volta-se a ir ao cemitério e, ao fim de um ano, faz-se o desluto com uma festa onde se come, bebe e dança. Por morte de familiares mais próximos (pais, avós, tios ou irmãos, por ex., a mulher irá usar durante 3 meses uma fita que colocará no pulso ou durante 6 meses um lenço na cabeça ou roupa preta durante um ano. Estas peças terão de ser queimadas no cemitério.

Em Baucau, o velório pode durar entre 24 a 72h mas, em alguns locais mais remotos, o falecido pode estar em casa até duas a três semanas até chegarem os familiares que estão mais distantes. São usadas plantas para evitar os maus cheiros entretanto provocados.

A mulher coloca na cabeça um pequeno lenço preto que usa durante um ano. Os filhos e o cônjuge colocam uma fita de tecido preto no pescoço e nos pulsos.

Ao fim da primeira semana (ai funan moruk), as pessoas vão ao cemitério e colocam flores e velas na campa do morto e quem tem as fitas pretas, retiram um fio da fita do pulso esquerdo e colocam-na em cima da campa.

Ao fim da segunda semana (ai funan midar), levam novamente flores ao cemitério e colocam velas também nas campas dos familiares e conhecidos já falecidos. Retiram a fita do pulso direito e colocam-na na campa.

Ao fim da terceira semana, (ai funan fahemalu) levam mais flores e velas para distribuir por outras campas. Retiram a fita do pulso esquerdo.

Três meses depois, a família leva mais flores e velas e reza. Nesta altura, a restante família que usava a fita preta ao pescoço, retira-a.

Seis meses depois, a família acompanhada dos vizinhos vai novamente ao cemitério levar flores, velas e rezar.

Um ano depois, faz-se o korremetan, ou seja, o desluto onde se faz uma grande festa, se come e se dança.

Se entretanto, morrer outra pessoa da família, interrompe-se o luto da anterior colocando as fitas pretas num oratório que todas as pessoas têm em casa.

Ter filhos, casar e morrer são acontecimentos que suportam ainda um conjunto de tradições com bastante peso na vida dos timorenses.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013


O casamento

O namoro pode ser às escondidas mas, a certa altura, há necessidade de o rapaz comunicar aos pais o interesse em casar, enumerando as qualidades da futura noiva. Então, as famílias encontram-se na casa da família dela para se conhecerem e poderem emitir uma opinião sobre o possível casamento. Se houver algo que impeça a união dos dois e se o impedimento for da namorada, não há necessidade de indemnizar a outra parte. Mas se for do namorado ou da sua família, então “fecha-se a porta”, ou “puxa-se a cortina” isto é, há que calar a voz do povo, a boca dos outros. Os pais do namorado têm de compensar a outra parte e, para tal, deverão entregar-lhe várias coisas: um búfalo ou uma vaca ou, ainda, uma ”lua”, ou seja, um “belak” que consiste num círculo de ouro com uns desenhos embutidos ao gosto do ourives, com 10 cm ou mais de diâmetro e que pode variar entre os 300 e os 500 dólares. Após isto, cada um pode procurar outro parceiro para casar.

Se não houver nada que impeça os dois de casarem, começa-se a preparar toda a cerimónia. Ao ir a casa da noiva, o noivo é acompanhado pelos pais e por uma pessoa mais culta e mais velha que conheça bem as tradições (os irmãos também podem acompanhar o noivo se assim o entenderem). Devem levar uma série de produtos: 2 molhos de betel ou vetel (planta usada para mascar) (0,50 USD cada), 4 cordas de arreca (fruto de uma palmeira que cresce em climas tropicais) (0,50 USD cada), 2 embalagens de cal (0,10 USD cada) produtos para mascar), 1 embalagem com 20 maços de tabaco, 1 caixa de cerveja, sprite ou coca-cola e 1 envelope com 50 ou 100 dólares, dependendo da possibilidade de cada um. Todas estas quantidades têm de ser em número par, nunca em número ímpar. 

Chegados a casa da noiva, estendem a esteira no chão, colocam nela os produtos atrás referidos e combinam a data do casamento e da troca de prendas. Os pais da noiva têm de dar à outra parte um pano tradicional de Timor, “ um tais” e ficam encarregados de oferecer a refeição deste encontro. O período que se seguirá até ao dia da cerimónia do casamento deverá ser o mais curto possível para evitar “tentações”, não vá a noiva ficar grávida. Fica então combinado o dia da troca de prendas no qual o noivo terá de dar à família da noiva entre 3 a 5 búfalos e 3 luas ou 25 000 dólares em dinheiro.

Se tiverem poucas posses, os membros da família reúnem-se e ajudam-se mutuamente.

Depois da troca de prendas, o noivo deve dar à noiva, um fio, uma pulseira, um anel e um par de brincos em ouro. A noiva dar-lhe-á uns tais e um anel.

É o noivo que oferece à noiva tudo o que ela vai usar no dia do casamento: vestido, véu, luvas, touca, leque e sapatos. A noiva deverá presenteá-lo com a roupa que ele irá usar: casaco, camisa, calças e sapatos. Contudo, isto depende da possibilidade dos noivos.

Após o casamento, ficam a viver em casa dos pais do noivo até terem possibilidade de arranjarem uma casa para viverem mas também para os compensarem de todas as despesas que o casamento lhes trouxe. Assim, a nora terá de contribuir com o seu trabalho e ajudar os sogros nas tarefas do dia a dia durante um a dois anos.

Os noivos têm apenas dois padrinhos (um homem e uma mulher) que podem dar ou não prendas. Se não derem prendas, eles deverão oferecer o bolo de noiva (bolo queque) constituído por um bolo com vários “andares” e champanhe para fazer o brinde (assisti a um casamento onde verifiquei que o champanhe foi mantido à temperatura ambiente para antes da refeição ser agitado e molharem os convidados mais próximos). Caso os padrinhos não deem bolo, terão de ser os pais da noiva a providenciarem um.

No momento do banquete, os convidados, sentados próximos da mesa, levantam-se e dirigem-se em fila para a mesa servindo-se com os pratos que houver. Os noivos, pais e padrinhos são os últimos a comer porque o melhor deve ser oferecido aos convidados.

Os convidados deverão oferecer aos noivos artigos para a decoração da sua futura casa. Atualmente, também se pode dar um envelope com dinheiro.

Em Baucau

Em algumas zonas do distrito de Baucau, no dia em que o noivo e respetiva família vão a casa da noiva, combinam logo o que aquele deve dar à outra parte (búfalos-500 USD/cada e cavalos-200 USD/cada).

As despesas efetuadas na cerimónia do casamento são divididas entre as duas famílias. À família da noiva cabe levar os porcos e o arroz que for consumido.

A escolha dos convidados é livre mas, normalmente, inicia-se pela família, vizinhos e amigos.

 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013


Nascer, casar e morrer em Timor

Timor continua a manter e a preservar um conjunto de rituais que fazem parte da sua cultura e permitem identificá-lo como um país rico em tradições que aos olhos de um ocidental podem parecer estranhas. Para um mesmo acontecimento, os costumes podem variar de distrito para distrito.
Aqui irei falar de algumas, que me foram relatadas por quem as viveu e continua a viver.

O nascimento

Em Maliana, o ato de ter um filho não estava isento de riscos de vida tanto para o bebé como para a mãe. Hoje em dia, o Hospital de Referência de Maliana veio alterar um pouco os hábitos e garantir maior assistência no acompanhamento à grávida, mas também ao recém nascido. Contudo, ainda há pessoas que mantêm o costume de ter o seu bebé em casa com a ajuda, não de uma parteira, mas de uma pessoa quer seja familiar ou não, mas que é “conhecedora” dos procedimentos a ter nesta situação.

Quer seja feito em casa quer seja feito no hospital, os rituais a seguir ao parto continuam a ser os mesmos que os seus antepassados já faziam e têm como objetivo manter não só a tradição mas também assegurar a saúde, o bem estar da parturiente e o futuro do bebé.

Logo que possível, após o parto a placenta é entregue ao indivíduo do sexo masculino mais velho da família que a coloca dentro de uma lata (do tipo das latas de biscoitos) ou no interior de um pau de bambu. Na madrugada do dia seguinte ao parto, ou durante o dia se ele tiver ocorrido de manhã mas nunca durante a noite (para não assustar nem trazer tentações à criança), a pessoa encarregada desta tarefa terá de vestir a sua roupa tradicional (o tais), levar ao ombro o recipiente com a placenta e afastar-se da localidade, por causa do mau cheiro ou para evitar que os animais possam comê-la para o dependurar numa “hali”, uma árvore frondosa e grande, com o auxílio de uma corda. É possível usar as concavidades naturais da própria árvore para aí depositar a placenta. Nenhuma pessoa jovem o poderá fazer, uma vez que a localização da árvore permanece no segredo dos mais velhos. Contudo, é possível encontrar a árvore carregada de latas ou bambus com placentas, quando se viaja pela floresta. Não se trata de uma árvore para cada família mas sim de uma árvore para uma comunidade. O tempo e a natureza irão fazer com que o recipiente e o seu conteúdo se degradem.

Há também a possibilidade de a placenta ser enterrada perto de casa mas próximo de uma nascente ou de um tanque de água doce.

Tal como a água e a árvore são símbolos da vida, assim este ato tem como objetivo pedir vida, alegria, meiguice e inteligência para essa criança.

Após o nascimento, a criança é lavada com água morna e, quando cair o cordão umbilical, ele será guardado num cestinho, numa caixinha, num guarda joias ou numa caixa de mascar até ele desaparecer, ou seja, ”se perder de vista”.

Em relação à jovem mãe, há que seguir mais uma vez as tradições. Ela toma banho com água quente e, durante uma semana, não pode sair do quarto nem lavar a cabeça (na região de Baucau, antigamente, a mulher não podia lavar a cabeça nos 40 dias seguintes, para evitar que o sangue subisse à cabeça). Se o parto tiver sido natural, diariamente e durante um mês, usa uma fralda de bebé molhada em água quente para com ela carregar na barriga e senta-se num banco revestido com outra fralda molhada. Este trabalho tem como objetivo desinfetar e expulsar qualquer resíduo do parto e permitir recuperar a silhueta. Em todo este trabalho, é ajudada por outra mulher.

Em Baucau, a placenta é colocada num pequeno balde, coberta de cinza fria e dependurada na árvore de que a família mais gosta. Pode ser transportada ou não pelo pai da criança acompanhado do avô ou outro homem disponível mais próximo da família. Durante o percurso deve fazer-se silêncio absoluto.

Ao contrário do que se passa em Maliana, aqui, o cordão umbilical é colocado numa palmeira, que fica para sempre identificada como sendo a palmeira daquela pessoa e que nunca poderá ser cortada.