Nascer, casar e morrer em Timor
Timor continua a manter e
a preservar um conjunto de rituais que fazem parte da sua cultura e permitem
identificá-lo como um país rico em tradições que aos olhos de um ocidental
podem parecer estranhas. Para um mesmo acontecimento, os costumes podem variar
de distrito para distrito.
Aqui irei falar de
algumas, que me foram relatadas por quem as viveu e continua a viver.
O nascimento
Em Maliana, o ato de ter
um filho não estava isento de riscos de vida tanto para o bebé como para a mãe.
Hoje em dia, o Hospital de Referência de Maliana veio alterar um pouco os
hábitos e garantir maior assistência no acompanhamento à grávida, mas também ao
recém nascido. Contudo, ainda há pessoas que mantêm o costume de ter o seu bebé
em casa com a ajuda, não de uma parteira, mas de uma pessoa quer seja familiar
ou não, mas que é “conhecedora” dos procedimentos a ter nesta situação.
Quer seja feito em casa
quer seja feito no hospital, os rituais a seguir ao parto
continuam a ser os mesmos que os seus antepassados já faziam e têm como
objetivo manter não só a tradição mas também assegurar a saúde, o bem estar da
parturiente e o futuro do bebé.
Logo que possível, após o
parto a placenta é entregue ao indivíduo do sexo masculino mais velho da
família que a coloca dentro de uma lata (do tipo das latas de biscoitos) ou no
interior de um pau de bambu. Na madrugada do dia seguinte ao parto, ou durante
o dia se ele tiver ocorrido de manhã mas nunca durante a noite (para não
assustar nem trazer tentações à criança), a pessoa encarregada desta tarefa terá
de vestir a sua roupa tradicional (o tais), levar ao ombro o recipiente com a
placenta e afastar-se da localidade, por causa do mau cheiro ou para evitar que
os animais possam comê-la para o dependurar numa “hali”, uma árvore frondosa e
grande,
com o auxílio de uma corda. É possível usar as concavidades naturais da própria
árvore para aí depositar a placenta. Nenhuma pessoa jovem o poderá fazer, uma
vez que a localização da árvore permanece no segredo dos mais velhos. Contudo,
é possível encontrar a árvore carregada de latas ou bambus com placentas,
quando se viaja pela floresta. Não se trata de uma árvore para cada família mas
sim de uma árvore para uma comunidade. O tempo e
a natureza irão fazer com que o recipiente e o seu conteúdo se degradem.
Há também a possibilidade
de a placenta ser enterrada perto de casa mas próximo de uma nascente ou de um
tanque de água doce.
Tal como a água e a
árvore são símbolos da vida, assim este ato tem como objetivo pedir vida,
alegria, meiguice e inteligência para essa criança.
Após o nascimento, a
criança é lavada com água morna e, quando cair o cordão umbilical, ele será
guardado num cestinho, numa caixinha, num guarda joias ou numa caixa de mascar
até ele desaparecer, ou seja, ”se perder de vista”.
Em relação à jovem mãe,
há que seguir mais uma vez as tradições. Ela toma banho com água quente e,
durante uma semana, não pode sair do quarto nem lavar a cabeça (na região de
Baucau, antigamente, a mulher não podia lavar a cabeça nos 40 dias seguintes,
para evitar que o sangue subisse à cabeça). Se o parto tiver sido natural,
diariamente e durante um mês, usa uma fralda de bebé molhada em água quente para
com ela carregar na barriga e senta-se num banco revestido com outra fralda
molhada. Este trabalho tem como objetivo desinfetar e expulsar qualquer
resíduo do parto e permitir recuperar a silhueta. Em todo este trabalho, é
ajudada por outra mulher.
Em Baucau, a placenta é
colocada num pequeno balde, coberta de cinza fria e dependurada na árvore de
que a família mais gosta. Pode ser transportada ou não pelo pai da criança
acompanhado do avô ou outro homem disponível mais próximo da família. Durante o
percurso deve fazer-se silêncio absoluto.
Ao contrário do que se
passa em Maliana, aqui, o cordão umbilical é colocado numa palmeira, que fica
para sempre identificada como sendo a palmeira daquela pessoa e que nunca
poderá ser cortada.
Ai Deus as coisas que eu tenho aprendido com os teus relatos escritos! Por vezes nem imaginamos como outros povos ainda vivem!
ResponderEliminarTudo se guarda nessa terra... Incrível!
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