segunda-feira, 2 de setembro de 2013


Nascer, casar e morrer em Timor

Timor continua a manter e a preservar um conjunto de rituais que fazem parte da sua cultura e permitem identificá-lo como um país rico em tradições que aos olhos de um ocidental podem parecer estranhas. Para um mesmo acontecimento, os costumes podem variar de distrito para distrito.
Aqui irei falar de algumas, que me foram relatadas por quem as viveu e continua a viver.

O nascimento

Em Maliana, o ato de ter um filho não estava isento de riscos de vida tanto para o bebé como para a mãe. Hoje em dia, o Hospital de Referência de Maliana veio alterar um pouco os hábitos e garantir maior assistência no acompanhamento à grávida, mas também ao recém nascido. Contudo, ainda há pessoas que mantêm o costume de ter o seu bebé em casa com a ajuda, não de uma parteira, mas de uma pessoa quer seja familiar ou não, mas que é “conhecedora” dos procedimentos a ter nesta situação.

Quer seja feito em casa quer seja feito no hospital, os rituais a seguir ao parto continuam a ser os mesmos que os seus antepassados já faziam e têm como objetivo manter não só a tradição mas também assegurar a saúde, o bem estar da parturiente e o futuro do bebé.

Logo que possível, após o parto a placenta é entregue ao indivíduo do sexo masculino mais velho da família que a coloca dentro de uma lata (do tipo das latas de biscoitos) ou no interior de um pau de bambu. Na madrugada do dia seguinte ao parto, ou durante o dia se ele tiver ocorrido de manhã mas nunca durante a noite (para não assustar nem trazer tentações à criança), a pessoa encarregada desta tarefa terá de vestir a sua roupa tradicional (o tais), levar ao ombro o recipiente com a placenta e afastar-se da localidade, por causa do mau cheiro ou para evitar que os animais possam comê-la para o dependurar numa “hali”, uma árvore frondosa e grande, com o auxílio de uma corda. É possível usar as concavidades naturais da própria árvore para aí depositar a placenta. Nenhuma pessoa jovem o poderá fazer, uma vez que a localização da árvore permanece no segredo dos mais velhos. Contudo, é possível encontrar a árvore carregada de latas ou bambus com placentas, quando se viaja pela floresta. Não se trata de uma árvore para cada família mas sim de uma árvore para uma comunidade. O tempo e a natureza irão fazer com que o recipiente e o seu conteúdo se degradem.

Há também a possibilidade de a placenta ser enterrada perto de casa mas próximo de uma nascente ou de um tanque de água doce.

Tal como a água e a árvore são símbolos da vida, assim este ato tem como objetivo pedir vida, alegria, meiguice e inteligência para essa criança.

Após o nascimento, a criança é lavada com água morna e, quando cair o cordão umbilical, ele será guardado num cestinho, numa caixinha, num guarda joias ou numa caixa de mascar até ele desaparecer, ou seja, ”se perder de vista”.

Em relação à jovem mãe, há que seguir mais uma vez as tradições. Ela toma banho com água quente e, durante uma semana, não pode sair do quarto nem lavar a cabeça (na região de Baucau, antigamente, a mulher não podia lavar a cabeça nos 40 dias seguintes, para evitar que o sangue subisse à cabeça). Se o parto tiver sido natural, diariamente e durante um mês, usa uma fralda de bebé molhada em água quente para com ela carregar na barriga e senta-se num banco revestido com outra fralda molhada. Este trabalho tem como objetivo desinfetar e expulsar qualquer resíduo do parto e permitir recuperar a silhueta. Em todo este trabalho, é ajudada por outra mulher.

Em Baucau, a placenta é colocada num pequeno balde, coberta de cinza fria e dependurada na árvore de que a família mais gosta. Pode ser transportada ou não pelo pai da criança acompanhado do avô ou outro homem disponível mais próximo da família. Durante o percurso deve fazer-se silêncio absoluto.

Ao contrário do que se passa em Maliana, aqui, o cordão umbilical é colocado numa palmeira, que fica para sempre identificada como sendo a palmeira daquela pessoa e que nunca poderá ser cortada.

2 comentários:

  1. Ai Deus as coisas que eu tenho aprendido com os teus relatos escritos! Por vezes nem imaginamos como outros povos ainda vivem!

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  2. Tudo se guarda nessa terra... Incrível!

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